Arbitragem
brasileira, culto à malandragem e o que ensina a Premier League
Paulo César Zanovelli, árbitro de Corinthians x Inter, cercado por jogadores durante partida do Brasileirão - Imagem: Marcello Zambrana/AGIF
por Rafael Porcari*
É perceptível que o futebol jogado em nosso país é diferente do europeu, especialmente na Premier League. Os ingleses se reinventaram, organizaram os estádios, criaram uma Liga séria, implementaram leis para punir crimes, pensaram no lucro e, para isso, fizeram o futebol se tornar um espetáculo agradável para se assistir.
No Brasil, há jogos onde os 90 minutos parecem intermináveis! Há catimba, unfairplay, simulação, milonga, tempo morto e pouca bola rolando. É difícil convencer um jovem, nessa sociedade tão acelerada, em ficar atento a um jogo que não tem dinâmica.
E de quem é a culpa? De todos nós. Há jogadores que não colaboram, alguns jornalistas que defendem a malandragem do atleta que transgride as regras e o torcedor que gosta de ver seu time levar vantagem de maneira ilegal. Mas o principal culpado: o árbitro brasileiro!
Os juízes de futebol tupiniquins se tornaram reféns do VAR, têm medo dos diretores de clubes que reclamam na CBF e "picam a partida", quebrando a dinâmica do jogo com a marcação de inúmeras faltinhas inexistentes. O jogo não flui, se torna enfadonho, e tal situação, rotineiramente, vai se normalizando. E não podemos deixar isso acontecer.
Na temporada 2024/2025 da Premier League, por exemplo, existiram algumas simulações (boa parte de atletas sul-americanos), a discussão do tempo perdido pelo árbitro em frente o monitor do VAR (questionou-se se deveria ter árbitro de vídeo ou não) e a falta de clareza das marcações de impedimento (resolveu-se com o impedimento semiautomático nos últimos jogos). Diante disso, para a temporada 2025/2026, a PL publicou uma cartilha que alerta os árbitros sobre a necessidade de cumprir a regras (que já existem), e que na temporada passada "relaxou-se" no cumprimento.
Compare com o Brasil os seguintes pontos:
Evitar o retardamento, contando claramente os oito segundos de posse do goleiro e marcando o escanteio ao adversário, caso a bola não seja recolocada em jogo nesse período (tivemos "menos de meia dúzia" de marcações como essas no Brasil, literalmente falando, pois os árbitros, para não se comprometerem, começam a contar depois de um certo tempo que o goleiro já tem a posse e está em equilíbrio - criamos uma malandragem na matemática).
Advertir com Cartão Amarelo toda e qualquer simulação (repare que no Brasileirão, quem cava pênaltis vira herói para muito torcedor, e vemos bizarrices sendo aplaudidas, como as forçadas faltas e quedas provocadas, por exemplo, por Deyverson).
Punir com falta somente
os agarrões ou empurrões que realmente impactem a disputa de bola. Já repararam
que no Brasil, à menor percepção de contato do adversário, o atleta cai ou
abdica de jogar? Essa é a "falta cavada" que não pode acontecer. Precisamos
acabar com essa mania! lembrando: futebol é um esporte de contato físico, não
tem como evitá-lo (seria outro esporte caso se defendesse isso).
A recomendação para que o
VAR seja pontual, atendendo apenas às situações do protocolo ou erro crasso
grave. E o alerta (que é um reforço ao documento que a própria FIFA já
divulgou): o árbitro de vídeo não é um instrumento para reapitar o jogo.
Lamentavelmente, os árbitros brasileiros apitam esperando o chamado do VAR, que
não se intimida e quer ser co-protagonista com o juiz de campo (mais uma
bizarrice: os protagonistas no futebol, obviamente, devem ser os jogadores).
Mais do que isso: a PL
recorda que, nos casos de lances duvidosos, prevalecerá a decisão de campo
(para que não se perca tempo discutindo e forçando uma decisão duvidosa). Na
prática: há um lance para ser revisto, percebeu-se que é confuso e que demorará,
o VAR avisará o árbitro que deve ser mantido o que ele marcou (não quebra a
dinâmica da partida, não esfria o jogo, não traz questionamentos sobre a
lisura, não atrapalha o espetáculo).
Reclamações: no
Brasileirão, vale a regra que somente o capitão pode conversar com o árbitro, e
o deve fazer respeitosamente. Qualquer outro atleta receberá Amarelo se abordar
o juiz. Será assim na Premier League também. Mas a gente vê essa regra sendo cumprida
no Brasil? Todo mundo que está em campo reclama com o árbitro, que passivamente
aceita.
Por fim: mão na bola ou
bola na mão! A Premier League lembra que só é infração a intenção ou o
movimento antinatural, e define antinatural como "abrir os braços
deliberadamente em movimento adicional não justificável", cobrando dos
árbitros que vejam a "lógica do movimento" (que significa: se atente
para ver se é um movimento natural, fisiologicamente normal). Em nosso país,
absurdos são vistos rodada a rodada: atleta em movimento natural, tendo a bola
resvalada em seu braço após um desvio, sendo punido por falta ou pênalti.
Parece jogo de queimada:
bateu, marcou. E aí eu sou obrigado a me lembrar do Massimo Bussaca, chefe de
arbitragem da FIFA em 2014, que deu uma entrevista dias antes da Copa do Mundo
do Brasil, escandalizado com os pênaltis de mão na bola aqui marcados. Disse
ele em coletiva de imprensa (que registrei e não mais esqueci): "Um
jogador precisa de sua mão e de seu braço para correr, se equilibrar e saltar.
Não se pode jogar sem a mão. O árbitro precisa fazer a leitura correta do
lance.
Não se pode dar falta a
qualquer toque na mão. Isso é um absurdo. O árbitro deve ver se a mão estava no
local de forma natural ou não-natural. Tem que ser avaliado se o toque (da mão
na bola) foi intencional ou não. Quando um jogador tenta fazer seu corpo maior
usando a mão, isso deve ser punido. O juiz não pode só pensar como juiz e
aplicar o que está escrito. Precisa se colocar no lugar do jogador para
entender o movimento".
Quando comparo as
orientações da Premier League com o que vemos no Campeonato Brasileiro, penso:
não é hora de uma força tarefa (clubes, imprensa, entidades e árbitros)
defenderem a aplicação da regra e do futebol jogado, não "sacaneado",
pelo bem de nós mesmos?
* Ex-árbitro FPF e comentarista de arbitragem
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