Para o torcedor comum, foi “só mais um erro de ruindade do juizão” em Flamengo 1x1 Grêmio (pênalti decisivo e inexistente de Ayrton Lucas). Mas o problema, em si, não é a baixa capacidade técnica dos árbitros brasileiros. A raiz do problema é outra…
Sabemos que a formação dos “homens de preto” é ruim no Brasil. Não há uma Escola Nacional de Arbitragem, como na maioria do mundo, mas sim um “punhado de árbitros” indicados pelas federações estaduais (que são formados por elas mesmo) e que a CBF os recebe.
Perceba o seguinte: não é a CBF que descobre um árbitro no interior do Piauí e o integra ao quadro nacional por considerá-lo um talento, mas sim a Federação do Piauí (ou de Tocantins, de São Paulo e de todos os demais estados – e são elas que formam os nomes que a Comissão de Árbitros trabalhará). E chegam ao Brasileirão formados com suas características regionais: um estado mais rigoroso, outro que deixa o jogo rolar mais, e cada um “com o seu jeitão”. A CBF, eventualmente, tenta uniformizar os critérios e não consegue.
A verdade é que tudo isso se tornou conveniente por dois problemas sérios: a falta de meritocracia dos árbitros que ascendem aos principais jogos (ocorrida por interesses políticos) e as más orientações que recebem (e que, muitas vezes os árbitros sabem que há equívocos, mas se calam).
Vide:
O “escudo FIFA” é instrumento de troca política há décadas. Para as federações, é um prestígio enorme dizer que seu árbitro pertence ao quadro internacional e seus cartolas regozijam-se na vaidade entre seus pares. Sabedora disso, a CBF nem sempre indica ao quadro internacional o melhor nome, mas o que interessa para acordos políticos. A negociação dessas premiações faz com ocorram situações contestáveis: estados brasileiros sem tradição alguma no futebol de ponta, acabam tendo em suas fileiras árbitros ou bandeiras da FIFA (vide o quadro feminino), mesmo não tendo condições técnicas. Veja o Paraná: há algum tempo não tem um nome internacional, e Lucas Torezin (veterano, do pênalti equivocado em Palmeiras vs Ceará) e Lucas Casagrande (jovem, com potencial) estão sendo escalados à exaustão. Ou o estado de Minas Gerais: desde Márcio Rezende de Freitas, tentou-se muitos nomes para a elite, mas o último FIFA mineiro foi Ricardo Marques Ribeiro (que não deixou saudades nos campos). Por falta de nomes, seu distintivo foi para Paulo César Zanovelli. Enquanto não aparecer um nome melhor, ele continuará sendo FIFA, pois a FMF “tem que ter” um representante nesse jogo político. E Zanovelli (o mesmo do pênalti de queimada em Grêmio vs Red Bull Bragantino, das dezenas de cartões de Bahia vs Flamengo que lhe custou a primeira”geladeira”, dos quase 10 minutos de VAR em Corinthians x Internacional, do erro de direito que lhe rendeu a segunda “geladeira” em Fluminense x São Paulo) ficará lá, intocável. O chefe dos árbitros da CA-CBF, Rodrigo Martins Cintra, que foi empossado pelo grupo político de Edinaldo / Reinaldo, entende bem como funciona essa sistemática, e garantiu seu cargo mantendo a política na gestão Samir Xaud/ Ricardo Teixeira. Ou como explicar a permanência de Zanovelli na FIFA e nos bons jogos escalados, repetidamente?
A passividade dos árbitros é outro ponto negativo. Árbitro de futebol, ao contrário do que pensa o torcedor, não tem uma categoria unida (embora o senso comum entenda: quando um jogador sacaneia o juiz, outro árbitro vai vingá-lo e o atleta ficará marcado – e essa é uma situação verdadeira). Em geral, o árbitro que não está escalado torce contra o seu colega, pois queria estar no lugar dele. Como não há profissionalismo formal, nenhum juiz quer ficar em casa vendo seus pares apitando no Morumbi, no Maracanã ou no Mineirão. Acomodados, os árbitros não batem de frente com o sistema ou se unem contra ensinamentos errados. Prova disso são os pênaltis da Regra 12B (B, em referência à Regra 12, que fala de bola na mão e mão na bola – mas que fazemos errado). Em 2014, Jorge Larrionda, ex-árbitro e instrutor Conmebol, ousou dizer aos árbitros que, em caso de dúvida, era mais fácil marcar infração na bola que bate na mão do que mandar seguir o jogo, pois como é algo interpretativo, daria polêmica de qualquer jeito. Ninguém teve peito de contestar, mesmo a própria Regra explicando que são intenção e movimento antinatural as duas únicas condições para se marcar. Com isso, virou queimada no Brasil… qualquer mão é falta ou pênalti. Avalie no próprio jogo do Flamengo contra o Grêmio: o defensor quis colocar a mão de propósito na bola, ou ainda, deixou o braço para que a bola batesse nele? Claro que não, foi um movimento natural de corrida, e bater a bola na mão é casualidade e o jogo deve seguir. E, para piorar, muitos comentaristas de arbitragem (que eventualmente frequentam eventos da CBF e algumas festas) acabam fazendo malabarismos para justificar essas marcações bizarras, como que se “defendessem a causa”.
No mundo ideal, os melhores apitariam, os árbitros seriam formados e treinados por pessoas competentes da CBF e não pelas suas federações, e os aspectos políticos deixados de lado. Óbvio, os pênaltis inexistentes e os “jogos picados por excessivas faltas” (todo contato físico é infração no Brasil, é uma loucura) não existiriam. O problema é: onde estão as pessoas competentes e livres de amarras para fazerem isso?
Assista algum jogo da Premiere League e reveja Cruzeiro vs São Paulo, apitado por Anderson Daronco no último sábado (ou Corinthians vs Palmeiras, no domingo, apitado por Ramon Abatti Abel): é outro esporte, é outro tempo de bola rolando e outra dinâmica.
Não podemos normalizar os pênaltis “a lá brasileira”, da Regra 12B, nem aceitar sem contestar os jogos maltratados por inúmeras faltinhas no meio de campo, sem bola rolando.
Fonte: professorrafaelporcari.com
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