O
futebol virou uma convenção de malas
Abel Ferreira não é o único mal-educado.
Estamos todos insuportáveis nesse mundinho: dirigentes, treinadores, jogadores,
jornalistas, influenciadores e torcedores
Chatice, seu nome é futebol. O alvo da vez é o treinador do Palmeiras, Abel Ferreira. Cujo comportamento é realmente péssimo à beira do gramado. Dele e de sua comissão técnica. Mas seria Abel um tosco em meio a uma reunião de lordes ingleses e professores de boas maneiras que trabalham com futebol?
Longe disso.
A falta de educação é esquema tático vigente no jogo mais popular do mundo. Até o Guardiola, um poliglota refinado, tem seus ataques de fúria. Klopp, outro cara chique, também sapateia de vez em quando.
Mas fiquemos no território nacional e nos trabalhadores estrangeiros que aqui militam.
O chilique sempre fez parte das estratégias daqueles que são chamados de professores – e muitos efetivamente são educadores por formação.
Chutar microfone? Até o
boa praça Joel Santana já deu um bico no equipamento quando trabalhava no Sul.
Felipão trocava farpas e distribuía sopapos e empurrões com alguma frequência.
Meu querido amigo Muricy
Ramalho foi uma metralhadora de impropérios à beira do gramado e nas coletivas.
Odair Helmann invadiu
campo para reclamar de juiz e se recusou a cumprimentar Jorge Jesus, que outro
dia deu piti porque um jogador mexeu em seu tablet.
Mano Menezes deixou de
lado a fina ironia que utilizava para desfilar palavrões e fazer críticas
pessoais.
Lembram do Cuca com o
Marcos Rocha na Libertadores?
Renato Gaúcho impedindo o
atleta adversário de cobrar lateral?
Abel Ferreira chuta
microfone e acaba expulso
Luxemburgo poderia
escrever um vade mecum de palavrões.
Telê Santana era o
pesadelo dos bandeirinhas que trabalhavam à frente do seu banco.
Dunga xingava até a taça
do mundo.
Tite, com seu estilo treinamento de mídia, bateu boca com o Messi!
Agora passou do ponto. Com três minutos de jogo, por causa de um lateral, comissões técnicas e reservas invadem o campo, se jogam ao lado do quarto árbitro e protagonizam cenas teatrais que contribuem para incendiar o ambiente dos estádios. Esse comportamento é da maioria dos times em todas as séries.
Torcedores sempre acham
que tudo e todos estão contra seus times, mas às vezes perseguem seus próprios
jogadores, ameaçando familiares e invadindo privacidade.
Na mídia, vemos
companheiros batendo boca cotidianamente, ironizando opiniões diferentes, dando
recados disfarçados ou apontando o dedo para desafetos e retirando da edição o
bom senso. Há uma mistura de papéis de jornalista, torcedor, influenciador e
líder de torcida que resulta num produto indigesto.
Tudo parece estar sempre
ruim. Ao analisar um grande jogo como a final da Supercopa partimos da premissa
dos erros. Ora, se ninguém errar o futebol será um eterno zero a zero. O mau
humor se espalha feito vírus. Eu mesmo muitas vezes saio do ar me achando um
chato de galocha.
O futebol é um esporte
territorial. Adepto a conceitos medievais de ataque e defesa. A imprensa
esportiva adora usar chavões como “Libertadores é uma guerra”, estádio tem que
ser “alçapão”, pressão, intimidação e por aí vai. A busca por uma suposta
emoção muitas vezes espalha óleo pelas curvas.
Somos a pátria que
aplaudiu a malandragem do Nilton Santos (que, aliás, era um lorde) na Copa de
1962. Adotamos a prática de que em campo vale tudo e tudo fica lá dentro. A
lógica do esperto e do trouxa está enraizada.
Opinião é livre, mas
precisa ser responsável.
A liberdade de expressão
não nos dá o direito de simplesmente escrevermos ou dizermos o que bem
entendemos. Críticas, quando baseadas no fígado e não no cérebro, trafegam num
terreno pantanoso. Algumas comparações são agressivas, perigosas e abrem caminho
para uma busca por reparação judicial, que é um direito de quem entende ter
sido atingido de uma forma exagerada. Zero espírito de corpo. Teclado e
microfone não são metralhadoras ou revólveres carregados com munição de bile.
Abel Ferreira exagera?
Muito. Mas os treinadores brasileiros exageram tanto quanto ele. Muitos dos
supracitados precisam disso para se motivar. Felipão sempre adorou usar um
clima de Grenal, fosse em Porto Alegre ou na China. Há competidores movidos a
provocação. A tensão é tamanha que interrompe carreiras brilhantes com a de
Muricy para preservar a vida.
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